sábado, 2 de julho de 2011

O ELIXIR DA JUVENTUDE

O ELIXIR DA JUVENTUDE

"A memória é a consciência inserida no tempo."
Fernando Pessoa

No passado fim-de-semana tive o prazer de estar com os meus amigos de há trinta anos, 30, na terra que nos viu nascer e crescer - PORTEL.
Foi um encantamento! De repente ficámos todos crianças e adolescentes. De repente já não havia idades e todos tinham nomes terminados em “inha” ou “inho” ou “ita” ou outros diminutivos carinhosos. Todos tinham borbulhas na cara e sorrisos travessos. De alguns não sabíamos que vida lhes mediava  os 15 anos e o dia de sábado passado em que nos reencontrámos. Não sabíamos o que faziam ou onde viviam, sábado éramos todos vizinhos e amigos da porta ao lado, colegas de escola e camaradas de brincadeiras. Agora sabemos, uns são isto, outros fazem aquilo, mas isso tornou-se completamente irrelevante porque estávamos a encetar um regresso a um tempo de felicidade imensa quando ainda estávamos simplesmente empenhados na alegria de viver e de descobrir.
A infância que partilhámos foi seguramente das mais felizes que há. Éramos completamente livres, vivíamos à solta, éramos donos da rua, não havia carros a roubarem-nos espaço de brincadeira. Sujávamo-nos e de tudo fazíamos diversão. Inventávamos brincadeiras, cheirávamos a terra e saltávamos como cabritos. Bebíamos leite da bilha e comíamos pão do forno de lenha, quente e estaladiço. Na escola vestíamos de branco e subíamos às árvores no recreio. Passávamos bilhetinhos a contar segredos. Aos Domingos íamos à missa e cantávamos no coro da igreja. Mas só aos Domingos e nas horas de catequese, uma vez por semana, seguíamos este alinhamento. No resto da semana fazíamos travessuras, pregávamos partidas e sustos uns aos outros. Desmanchávamo-nos a rir. Os rapazes jogavam à bola e ao pião e iam aos ninhos. As meninas às casinhas, ao avião e à macaca ou saltavam à corda. Entregávamo-nos a correrias pelas ruas fora como se estas fossem pistas de aviação em que levantávamos voo e às vezes também aterrávamos. Andávamos sempre com os joelhos esfolados.
Fazíamos festinhas de anos com chá e bolinhos e participávamos em bailes de salão na Artística, onde havia até reis e rainhas como nos contos dos livros que íamos buscar à carrinha itinerante da Gulbenkian.
Passavam as estações e as mães emendavam-nos a roupa do ano anterior, cuja evidência podia ser observada nos vincos das bainhas baixas.
Ninguém nos ia levar à escola. Chegávamos ao portão de entrada vindos de todas as direcções. Entrávamos alinhados e saíamos como um bando de pardais à solta. Não havia mochilas. Tínhamos malas a sério onde os livros, cadernos e lápis se caldeavam na agitação das correrias de mala na mão. Em geral as meninas tinham cadernos mais limpinhos que os rapazes. Olá! As professoras que o digam!
Na minha escola nunca houve piolhos. As batas brancas imaculadas tinham riscos de caneta na frente e enlameavam-se com facilidade o que obrigava a muitas barrelas de roupa, a que as lavadeiras da terra se esforçavam para devolver a brancura.
Nos dias chuvosos de Inverno, depois da escola, ficávamos em casa e armávamos fantasias para nos entretermos. Saíam então dos baús toda a espécie de trapos e artefactos com os quais construíamos cenários e personagens e inventávamos histórias de imbricados enredos.
As férias eram mesmo grandes e nos dias quentes de Verão tomávamos banhos nos tanques das hortas e à noite cantávamos ao luar ou ouvíamos histórias aos mais velhos, sentados à soleira da porta.
Mais tarde suspirávamos paixões adolescentes e ensaiávamos os primeiros beijinhos às escondidas que nos punham o coração a palpitar como se quisesse sair da caixa. Ouvíamos as nossas músicas predilectas em discos de vinil que tocavam até riscar. As festas de anos passaram da salinha lá de casa para a garagem. E da escolinha da terra fomos estudar para a Vidigueira e depois para Évora. Íamos na carrinha e na camioneta da carreira, de manhã ainda escura, ensonados, e à tarde sorridentes, fazíamos da viagem mais um passatempo onde cabiam todo o tipo de actividades lúdicas.
Tocávamos na banda da Terra e fazíamos um brilharete vestidos de farda cheia de botões reluzentes, abrilhantávamos procissões, arruadas, festas e touradas. Não sem antes bem ter aprendido a solfejar com o Mestre Patinho e a dominar um instrumento musical com o Mestre Norberto. Incrível, que saudade!
Quando olho através do tempo para esse tempo penso: “Que felizes fomos”! E como sempre trouxe comigo essa alegria de viver!… Aos amigos desses tempos e de sempre agradeço tudo o que partilharam comigo.

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