domingo, 6 de outubro de 2013

AUTÁRQUICAS

Não extrapulo resultados de eleições autárquicas para formular qualquer conclusão sobre julgamentos à governação do país.

As autárquicas são por excelência as eleições em que a relação de proximidade entre eleitores e eleitos é clara. Os eleitores reconhecem os que lhes são próximos e quem acham ser capaz de os representar, assim como rejeitam alguns paraquedistas de serviço que pululam nos meandros dos partidos, na busca de oportunidade de mais um cargo, com garantia de poder para a sigla do partido respetivo. As escolhas partidárias dos nomes a encabeçar as listas são por isso determinantes para o resultado final, não tenhamos a menor dúvida.

Os resultados das autárquicas espelham uma dinâmica local que os partidos, cada vez mais alheados do contexto sociocultural e das populações, muitas vezes não sabem compreender. O escrutínio dos eleitores centra-se assim nos candidatos em si mesmos.

Pensemos em primeiro lugar na abstenção. Segundo os dados divulgados no “site” da Direção Geral da Administração Interna, registou-se nas autárquicas de 2013 a maior taxa de abstenção alguma vez ocorrida neste tipo de eleições desde o 25 de Abril – 47,4%. Em 2009 tinha sido 41%. Se juntarmos os votos brancos e nulos, metade dos portugueses eleitores não vota em nenhum candidato. Isto significa uma coisa: os portugueses estão cada vez mais descontentes com o rumo da política e não se revêm nos candidatos. Reforço “descontentes”, não se tratando, no meu entender, de alheamento.  Nunca os portugueses estiveram, como estão agora, tão atentos e informados sobre o desempenho dos atores políticos.

Em segundo lugar, verifica-se uma tendência, ainda tímida, mas apesar de tudo muito clara, dos candidatos sem sigla partidária. Os movimentos independentes estão em ascensão e embora saibamos que muitos dos ditos independentes ou grupos independentes emanam dos partidos políticos com os quais entraram em processo de cisão, ainda assim tal significa uma perda de influência dos aparelhos partidários. O caso mais paradigmático será o Porto, sendo que os movimentos sem sigla ganharam em 13 Câmaras do território nacional, mais do dobro do que se verificou nas autárquicas de 2009, tendo os grupos de cidadãos elegido 113 mandatos, 6,9% dos votos, o que já é significativo.

Pessoalmente não vejo nenhum problema ou demérito numa candidatura de dissidência partidária. Quem está num partido tem toda a legitimidade em divergir quando não se revê no desempenho do mesmo. E a verdade é que os partidos estão cada vez mais fechados sobre si próprios e vivem para a sua pequena comunidade de históricos membros distanciando-se na atitude dos seus próprios ideais de construção da sociedade. A dissidência é uma rampa de lançamento para a atividade política extrapartidária, que a médio longo prazo acabará por contaminar a sociedade civil, espero eu. Por si só, um independente não tem que dar necessariamente um bom político, mas um grupo de cidadãos independentes na política participativa e ativa traduz um progresso democrático e há que arrepiar caminho por algum lado. Como se sabe, até há pouco tempo a oportunidade de candidaturas independentes era vedada por lei e hoje em dia muita luta desigual se trava no terreno, gozando os partidos de uma infinita vantagem e proteção institucional face aos movimentos de cidadãos. Os partidos políticos, que ainda têm o monopólio na Assembleia da República, legislam de forma a protegerem-se. Mas o caminho faz-se caminhando e isto ainda vai mudar, por pressão da sociedade civil.

Uma terceira abordagem centro-a nos casos dos “transumantes” de concelhos, o que também pode ser objeto de uma análise curiosa. É que de um modo geral, estes casos foram claramente penalizados pelo escrutínio eleitoral, á exceção de uma minoria. Dos que se incluem nesta minoria, certamente terá prevalecido algum mérito pessoal dos candidatos que acolheram a aceitação na porta da casa ao lado. Aqui os eleitores deram um sinal para a clarificação da célebre lei da limitação de mandatos, que ninguém com responsabilidades quis dar. A falta de coerência e transparência do costume dos senhores deputados.

A análise dos resultados eleitorais das autárquicas é sempre complexa e não pode ser generalizada, já que ocorrem muitos e diversos fatores em razão de cada local. No entanto, deixo aqui a minha reflexão muito geral sobre o panorama eleitoral do passado domingo. Uma ressalva apenas para aquele que considero um caso de estudo nacional: o concelho de Oeiras, em que um presidiário consegue “eleger-se” por interposta pessoa e à revelia de qualquer força partidária. Não há dúvida que o homem é “especial”!

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

ESPERANÇA...


O governo e o primeiro-ministro vêm anunciar que há sinais de recuperação económica…

Estamos nas 8ª e 9ª avaliações da TROIKA. De acordo com alguns dados a que tive acesso, os indicadores das políticas seguidas durante o período do resgate são:

1.       Dívida pública em crescendo, à data de Junho de 2013 avaliada em 214,57 mil milhões de euros; - 130% do PIB (segundo o último relatório do Banco de Portugal); Comparando com os dados da PORDATA desde o início de 2012 até meados de 2013, em apenas um ano e meio a dívida cresceu 22,6 %;

2.       Dívida global (pública + privada) avaliada em mais de 400 000 mil milhões de euros;

3.       O Produto Interno Bruto, em dois anos, 2011 e 2012, desceu de 171 046 mil milhões de euros para 165 409 mil milhões de euros, ou seja uma quebra de 3,3% (dados da PORDATA)

4.       Desde 2008, ano em que se declarou a crise financeira até à atualidade fecharam 246 761 empresas contra apenas 173 256 que foram criadas durante o mesmo período. Até 2007 a tendência era justamente a inversa. (segundo dados do Observatório Racius);

5.       Taxa de desemprego a rondar os 20% da população ativa e 40% da população jovem que está a entrar no mercado de trabalho;

6.       Doze mil milhões de euros, uma fatia de 15% do dinheiro do resgate, destina-se a cobrir imparidades, ou seja, vai para recapitalização dos bancos para buracos como o do BPN! 40% (?) são para pagar juros da dívida e dívida, não obstante esta continua a aumentar, bem como as metas do défice estão longe de ser cumpridas. O restante dinheiro destina-se a fazer face a despesas do Estado e apenas um valor residual entra como investimento na economia.
Estes são alguns indicadores pouco tranquilizadores, melhor, muito inquietantes, que Portugal tem para apresentar.
A política de austeridade e de cortes cegos tem-se traduzido da seguinte forma na sociedade portuguesa:

1.       Para fazer face ao desequilíbrio das contas o governo aumentou desmesuradamente impostos, retirou subvenções sociais, cortou nos salários, nas reformas, na cultura, na educação…

2.       Existem cerca de um milhão de desempregados e trezentos mil estão em situação de trabalho precário;

3.       Com redução drástica de recursos financeiros as famílias perderam uma boa parte do seu poder económico, quando não se debatem já com sérios problemas de subsistência;

4.       Com um quadro económico e político instável, os investidores não investem em Portugal;

5.       Sem trabalho, os imigrantes partem e os portugueses emigram, contribuindo para a desertificação e envelhecimento da população.

6.       O país perde “massa cinzenta” porque os que agora emigram são os mais qualificados e dinâmicos, em cuja formação o país investiu mas não aproveita.

7.       Gente altamente qualificada vê-se forçada a aceitar tarefas não qualificadas e baixos salários.
Não se constrói um país nestes moldes, vergado ao peso da “soberania” de uma dívida que em última análise resultou de má gestão e irresponsabilidade de sucessivos governos e da banca, empenhada no assédio e em facilitismos sistemáticos ao endividamento do Estado, das empresas e das famílias. A mesma banca que agora se financia através do estado, que somos nós contribuintes.
Por outro lado, é de senso comum que para haver emprego têm que existir empresas, dado que o Estado por si só, NÃO PODE, NEM DEVE ser o principal empregador. Isso representa uma carga financeira que a sociedade civil não consegue sustentar.
Quem contribuiu para o atual estado de coisas goza de uma impunidade obscena, que nos revolta e envergonha a todos.
Um país não se constrói vergado a uma dívida que subjuga a população e retira dela recursos para os dirigir aos bolsos de credores, que assim retiram lucros imorais e astronómicos, à custa do erário público.
Não se constrói um país com empobrecimento real, intelectual e moral. Reduzir o povo a pagador da dívida, é esmagar a nação e remeter o povo à escravatura da nova era. Uma nação escravizada é uma nação sem esperança.
Portugal é neste momento um país sem esperança.
Dizem-nos que devemos ser nós a dar a volta à crise, sendo criativos e empreendedores!
Desculpem?! Ser criativo e empreendedor é uma mais-valia, mas o país tem que dar condições e oportunidades que desenvolvam expetativas de vida positivas, ou seja, ESPERANÇA, que nos dê a nós, Portugueses, a força anímica para ser criativos e empreendedores.
Não sei como vamos sair disto, mas sei como muitos dos meus compatriotas sabem, que este não é o caminho.
Há que negociar com os parceiros europeus a dívida em benefício prioritário do interesse nacional, preservando a sustentabilidade económica e a dignidade das pessoas. É isso que deve estar na mira dos governantes de hoje e de amanhã. Para não chegarmos ao ponto de ser resgatados apenas pela ótica dos credores a quem um país exaurido já não lhes rende.
É de crucial importância que nunca, mas nunca mais, o país caia nas mãos de gente irresponsável que nos conduza a situações de colapso financeiro como aconteceu até aqui.
Há que corrigir os desequilíbrios que beneficiam quem tem o poder económico, as grandes empresas com monopólios de mercado, os bancos, e quem está instalado nos grupos de influência com penetrações no poder político. Há que combater a corrupção, pôr a justiça “mais justa” e a funcionar, há que governar para as pessoas não para satisfazer interesses agiotas.
Há que reformar o Estado, o que não se limita a fazer uma purga com despedimentos a granel, mas antes com critério, racionalidade e orientação quanto ao papel a desempenhar pelo Estado na sociedade. Onde é que esta discussão está a ser feita com seriedade?
Governa-se para a TROIKA ver, apenas e só, medidas avulsas e contas de merceeiro.
Não acho que se deva responsabilizar a TROIKA, eles desempenham o papel que lhes compete e este não é o seu país. Devemos responsabilizar os governantes passados pelo descalabro a que nos fizeram chegar, os atuais pelo embuste, até agora pela incapacidade negocial e pelo desconhecimento do país real, pela imoralidade e pela incompetência na aplicação de políticas que preservem o equilíbrio do tecido produtivo, o respeito pelos cidadãos e a dignidade humana.
Não podemos pactuar com governantes cujo discurso tem como único objetivo levar à desintegração da coesão social para levar a cabo medidas desastrosas, colocando em oposição e confronto, como se de fações inimigas se tratasse, privados e funcionários públicos, jovens e velhos, pensionistas e trabalhadores. Discursos falsos que induzem a população em preceitos errados e promovem a desunião. Chamar requalificação aos despedimentos, ajustamento ao empobrecimento, dizer que vivemos acima das nossas possibilidades ou invocar recuperação económica quando o que se observa é a destruição do tecido empresarial, é pura perfídia de linguagem. Não nos tentem iludir porque sabemos perfeitamente que o país está a andar para trás. Tais discursos são um atentado diário à inteligência dos portugueses. Em política vale tudo por um punhado de votos. Mentira, má despesa, demagogia, e até imbecilidades, tudo vale. Esta gente não evolui, não respeita.
Senhores, estamos fartos. Queremos a nossa esperança de volta, que por aqui anda perdida. Procuremos união para as nossas próprias soluções e oxalá encontremos saídas. O tempo é de resistência e de luta feroz. Boa sorte a todos enquanto cidadãos empenhados.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

LIBERDADE

Cresci e vivi toda a minha vida em liberdade. Não conheço outro modo de vida!
 
O 25 de Abril de 74 aconteceu era eu ainda criança, mas já com discernimento suficiente para entender o que se estava a passar. Pela primeira vez ouvi então as palavras “democracia” e “fascismo”. Fiquei a perceber o conceito de uma e de outra. Termos como “revolução”, “igualdade”, “fraternidade”, “liberdade”, passaram a ter um significado diferente, mais politizado. Fiquei a saber que existia uma PIDE e entendi o significado das palavras “repressão” e “ditadura”.
Antes do 25 de Abril estes conceitos não existiam para mim, eu apenas brincava. E tinha toda a liberdade para isso. Não me preocupava com a vida. Vivia protegida das maleitas do mundo e todas as minhas necessidades e conforto estavam assegurados. É certo que na escola convivia com meninos e meninas muito pobres, que andavam de pés descalços e sempre ranhosos e sujos. Que, de quando em vez, havia um funeral na terra, de alguém que vinha do Ultramar para regressar à sua casa, agora como última morada, e havia famílias chorosas de perdas irremediáveis, vidas que a guerra ia ceifando. Mas eu não percebia. A vida era linda para mim. Pode-se dizer que era feliz, porque era livre e, na minha cabeça, o mundo era bom e representava um manancial de descobertas fantásticas.
Entretanto deu-se a Revolução dos Cravos. Quando entendi o verdadeiro significado da palavra “Liberdade”, e fui ganhando consciência política e social, percebi que a liberdade não é só até ao nosso umbigo. Fiquei a conhecer a razão por que um tio desaparecia de circulação de vez em quando. Ele tinha sido preso político e esteve privado da sua liberdade de pensamento, de expressão e de si próprio, durante muito tempo. E que um primo esteve na guerra porque a tal foi obrigado. O “proibido” e o “obrigatório” afinal não era algo que se traduzia apenas em pequenas contrariedades para disciplinar o nosso comportamento e nos tornarmos melhores pessoas. Era algo muito mais grave e persecutório. Significava medo, repressão, tortura e até morte.
 
Quando ganhei consciência o país já era livre, vejam só a minha sorte! Agradeço isso aos capitães de Abril, independentemente das suas motivações à época.

Depois de todos estes anos passados em democracia, podemos perguntar: Que liberdade temos, afinal? Temos muita, comparativamente ao que era antes da revolução. Mas temos muito pouca se analisarmos a forma como a nossa sociedade se organiza e observarmos as circunstâncias políticas e económicas em que vivemos que nos obrigam a seguir determinados modelos, mesmo sem nos revermos neles, o que é bastante atentatório da nossa liberdade.
Quem chega à governação depende dos grandes grupos económicos; os partidos hegemonizam a política e procedem para ser eleitos, captando a simpatia dos grupos económicos e mentindo ao povo. O poder assenta na falsidade e no dinheiro pelo dinheiro para subsistir, num cartel em que as pessoas e os valores humanos contam muito pouco. As pessoas servem para pagar as contas que o governo e os grupos financeiros em equipa nos atiram à cara, sem escrúpulos. Neste caldeirão cabe tudo: corrupção, clientelismo, laxismo político, irresponsabilidade na gestão das contas públicas, incapacidade de resolução dos problemas reais da economia e da sociedade, incompetência e impreparação política e cívica, desvalorização do interesse nacional em favor do interesse particular. O sistema financeiro instituído não tem escrúpulos e dá estrategicamente com uma mão para tirar com a outra, sem contemplação. Todos sabemos que é assim. Quem trabalhou honestamente uma vida inteira pode ver sonegados, o mesmo é dizer, confiscados, todos os seus bens e haveres. É fácil atirar um cidadão desprotegido para a pobreza. Basta uma lei. Tão simples e tão desigual, na medida em que o elo mais fraco não tem capacidade de ripostar, ou de se fazer ouvir, e será sempre, e sem contemplação, o prevaricador, se não cumprir ou… se não puder cumprir. Isto, meus amigos, é prepotência e repressão. Como é abusivo quando nos assediam, por qualquer via e sem respeito pela privacidade, para nos endividarmos ou para consumirmos o que não precisamos.
 
Vivemos e trabalhamos para pagar as contas, as que contraímos e as que não contraímos. Vivemos rodeados de credores; mesmo quem nunca contraiu dívidas, é devedor. Isto é escravidão, porque nos retira espaço para viver e reduz o sentido da vida, transformando-nos em simples peças de engrenagem do materialismo selvagem manipulado pelos “mercados”, sem outros valores que nos elevem. Isto é asfixia, é aniquilação, é privação de liberdade. Alguém sabe definir “os mercados”? Têm rosto? Elegemos quem tem este poder de regular as nossas vidas. NÃO! Então onde está a democracia e a liberdade?

Cada um de nós deve ser livre e poder dizer que não quer o que lhe querem impor, que seja atentatório da sua liberdade como ser humano íntegro e digno. Ditadura nunca mais, seja qual for a sua forma. 25 de Abril significa esperança. E onde está ela? Que esperança temos para as nossas vidas e para as dos nossos amados filhos? E que podemos fazer para mudar? Qual pode ser o nosso contributo?
Sempre achei que o espírito da revolução começa em cada um de nós. Felicidade não existe sem liberdade. E sem esperança só há desalento. No fundo, é tudo uma questão de consciência e de sobrevivência. Sem liberdade não se pode viver, só se pode vegetar, que o mesmo é dizer, morrer. Compete a cada pessoa, a cada cidadão, encontrar a sua forma de luta sem nunca desistir para preservar a sua liberdade e a dos seus concidadãos.
25 DE ABRIL, SEMPRE.