domingo, 31 de julho de 2011

VIVER É DESCOBRIR


O melhor do que podemos experienciar é o misterioso.
Quem não o vive e já não se maravilha, não se fascina,
está de certa forma morto e tem o olhar apagado.”
Albert Einstein

Tenho andado a ler sobre esta figura única que é Albert Einstein.
E muito para além do cientista e da mente brilhante vejo um homem de uma curiosidade imensa e fascinado pelos mistérios que a vida e a natureza ligada àquela, encerram. Basta olhar para a sua figura descontraída e o seu olhar brilhante e extraordinariamente vivo para perceber que era apaixonado pela descoberta da vida.
Isso deu-me o mote para reflectir exactamente sobre o significado da mesma, sobre os valores e sobre aquilo que nos preenche enquanto seres humanos nesta passagem a que eu chamo de aventura.
Viver é uma aventura, perigosa mas deslumbrante, e tal como numa relação de amizade ou de um qualquer outro afecto é preciso manter a chama acesa, sob pena de nos tornarmos um vegetal ou, pior do que isso, uma coisa sem alma, visto eu achar que as plantas têm uma alma vibrante.
Todos já sabem como me interesso pela política e por todos os assuntos que têm reflexos na nossa sociedade e na forma como nos relacionamos.
Porém, quando sou confrontada com os tablóides dos jornais e dos media em geral, por vezes deparo-me com assuntos absolutamente inócuos, fúteis e desprovidos de qualquer interesse. Outros, por força da repetição, levam-nos ao cansaço e à necessidade, puramente auto-reguladora da nossa sanidade mental e intelectual, de desligar.
Saber das tricas, das fofocas e dos dramas dos famosos é absolutamente irrelevante para quem não tem uma relação de proximidade com os verdadeiros dramas dessas pessoas, que os têm certamente. Fazer desses dramas espectáculo é puro voyerismo de coxia.
Ver esmiuçados até à exaustão os potenciais ou efectivos escândalos dos bastidores da política, só para fazer notícia e encher páginas de jornais e tempos de antena, põe-me doente. Passada a fase da indignação natural, entedia-me completamente.
Ouvir sobre os joguinhos da baixa política na luta de conquista pelos lugares ou observar os verdadeiros malabarismos a que muitos se dedicam para preservação dos mesmos, vulgo “jobs for the boys and girls”, pode ser interessante na medida em que põe a nu o despautério dos “carreiristas do tacho”. Tais análises ajudam a desmascarar essas figuras de fachada, cuja pedantice revela apenas uns quaisquer “Dorian Grey” inchados na sua própria imagem, revestida de fina camada de verniz. Porém é extremamente aborrecido e decepcionante, tendo em conta o que isso revela do oportunismo, da falta de seriedade e decoro vigentes no xadrez da política e nos meandros das redes de interesses instalados.
Ser bombardeado a toda a hora e por todos os meios com publicidade e assédio ao consumo de uma miríade de coisas das quais não precisamos para ser felizes, como se tudo fosse de primeira necessidade, coisas absolutamente fúteis que apenas escravizam a pobre gente levando-a a afogar-se em dívidas para alimentar os negócios do consumismo, em nome da prosperidade e de um crescimento económico que nada nos traz de prosperidade, quanto mais de felicidade, é irritante, para não dizer revoltante, na medida em que nos reduz a meras peças de engrenagem e a escravos iludidos por uma economia gananciosa e sem escrúpulos.
Ouvir falar da Troika e dos planos de austeridade, das promessas de campanhas eleitorais não cumpridas, de verdades absolutas que logo se tornam mentiras e ouvir declarações categóricas de duvidosa credibilidade e em que já ninguém faz fé, massacra e desencoraja.
Saber dos actos terroristas que grassam até nos países mais pacíficos do mundo e das atitudes tresloucadas que ceifam vidas ao desbarato, não faz qualquer sentido e aterroriza-nos.
Há que dar uma trégua neste carrossel alucinante de loucura e sem travões que é o mundo em que vivemos, quer se tratem de acontecimentos num horizonte de maior proximidade ou de cenários aparentemente mais longínquos.
Muitos de nós já passaram por situações limite na vida, momentos particularmente difíceis ou suficientemente tocantes no mais fundo de nós que nos levam a repensar tudo o que nos move e a ponderar até que ponto vale ou não a pena esgatanhar-nos tanto na vida. Nestes momentos somos levados a reposicionar os valores que verdadeiramente nos movem.
Um ente querido que perdemos ou estivemos em riscos de perder, uma amizade verdadeira ou sentimento que desperta em nós, um momento de realização, um acidente que nos muda a vida, um desafio que nos põe verdadeiramente à prova, um exemplo de alguém que nos faz olhar no mais recôndito de nós, uma vida que salvámos ou ajudámos a salvar, alguém que nos traz à tona e nos faz regressar lá das profundezas da obscuridade. Momentos de verdade!
Por outro lado, a vida está cheia de coisas tão simples quanto extraordinárias das quais tantas vezes não nos apercebemos e de repente descobrimos como são mágicas e positivas.

Nesta conjectura, hoje não me apetece comentar nada da política ou dos tablóides, não venho barafustar porque há corrupção, porque há interesses instalados, porque o sistema não funciona, porque há injustiça social, porque o trabalho está escasso e há desemprego, porque o mundo está de pernas para o ar… Aliás, sempre assim será e sempre teremos de combater e lutar por um mundo melhor, isto é, pela nossa própria felicidade, algo inatingível como uma assíntota, mas para onde se caminha sempre.
De outro modo, quando por qualquer razão mais ou menos consciente posso fascinar-me com mais um dia que nasce e quando um amigo que esteve em risco de vida hoje me diz com um sorriso novo, ele próprio fruto dessa descoberta e fascinação: “...Voltei a Nascer…”, quando isso passa a ser um motivo de consagração e eu sinto uma felicidade enorme por causa disso, tudo o resto me parece irrelevante.
Caros amigos, tenham um bom Domingo e não andem com a cabeça entre as orelhas. Sejam curiosos, não se acomodem e descubram todos os mistérios que puderem e… fascinem-se. Vai-se notar um brilhozinho nos vossos olhos e darão “um outro melhor BOM DIA”. Ficarão mais sorridentes, muito mais preparados para enfrentar as adversidades de mais uma semana que vai começar e muito mais apetrechados para prosseguir nesta luta quotidiana enquanto por cá andarmos nesta aventura.
Simples mas genial!


domingo, 24 de julho de 2011

NÃO HÁ IMPOSSÍVEIS…

A notícia que mais me impressionou esta semana centra-se num acontecimento fascinante pela positiva e foi exactamente a do corredor amputado das duas pernas que competiu e foi apurado para os mundiais de atletismo numa corrida de muitas pernas e todas inteiras.
Observando de todos os ângulos, a ocorrênca impressionou-me por completo. Trata-se de um exemplo de força, de coragem e de abnegação ímpar contra o que parecia, aos olhos de todos, impossível, irremediável e inexpectável.
IMPOSSÌVEL porque um homem sem pernas por definição não corre como se as tivesse.
IRREMEDIÁVEL porque seria um dado adquirido que nada poderia alterar o que o destino, de forma cruel, ditara a este homem.
INEXPECTÁVEL porque ninguém imaginaria que alguém sem pernas ambicionasse correr como uma gazela, com uma elegância rara e a bater-se com os mais capazes do mundo.
A atitude deste homem sul-africano, de nome Oscar Pistorius foi apenas esta: bateu-se contra a própria limitação física, demonstrando que a podia superar, bateu-se contra a condição que lhe atribuiam de inapto  e venceu o preconceito dos que o queriam impedir de competir por ser diferente (o seu nome tinha sido barrado pela Federação Internacional de Atletismo para entrar em provas de alta competição) e, ainda por cima, conseguiu apesar de tudo, ser tão bom ou melhor que os melhores e ficar apurado para os Jogos Olímpicos de Pequim, ao mais alto nível, portanto.
Bateu-se, bateu-se, bateu-se e superou-se. Superou-nos a todos, e leva-nos a recolocar a razão de não nos empenharmos o suficiente e desistimos de algo que muito almejamos. Venceu em toda a linha e deu-nos a todos uma lição de perseverança enternecedora.
Tenho-o pois como um exemplo e como a prova viva de que não há impossíveis, desde que a vontade de vencer e de não resignar se mantenha acesa, sendo esta vontade uma força poderosíssima do ser humano. Fiquei deslumbrada.
Na vida, umas vezes ganha-se outras perde-se, mas o sabor da conquista pelos nossos próprios meios e perseverança tem um paladar único e intensamente gratificante, como tal merece sempre a pena lutar por aquilo em que acreditamos.
Quem disse que uma pessoa sozinha não pode mover montanhas?

Alessandro Bianchi/Reuters

Pistorius numa prova de 400 metros em Roma, com atletas não amputados: segundo lugar

domingo, 17 de julho de 2011

OS VAMPIROS


O sistema capitalista em que vivemos perverteu os propósitos de Smith, perverteu-nos como seres humanos e desvirtuou os valores que nos definem como tal. Está a transformar-nos em peças de engrenagem e a consumir-nos as energias e a criatividade.  
Adam Smith, o pai da economia moderna baseada no liberalismo dizia que “não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu "auto-interesse". Smith defendia a tese que a iniciativa privada deveria agir livremente e que o mercado se regularia a si próprio através da concorrência. O capital gerado pelos investidores além de lhes garantir o lucro desejado, acabaria por ser reintroduzido em grande parte na economia gerando emprego, progresso, incentivaria a inovação tecnológica, na busca por soluções que possibilitassem produzir mais e a mais baixo custo e induziria a uma melhoria generalizada do nível de vida das populações que teriam acesso a mais conforto e bem-estar.
Como sempre da teoria à prática vai uma distância considerável desde logo porque a teoria concentra-se na virtude e não entra em linha de conta com as variáveis que constituem os vícios que se instalam no sistema.
A crise actual não resulta assim da economia liberal baseada na produção e na competitividade mas na vampirização que resulta de uma especulação com o dinheiro, sem nenhum suporte produtivo por detrás. O deslumbramento do lucro levou à criação de um monstro a que designamos “os mercados” materializados através do sistema bancário e que mais não são do que um jogo de casino, onde se fazem apostas com os dinheiros de todos os agentes da sociedade que nele investem.
O negócio aqui é o próprio dinheiro. Vende-se e compra-se dinheiro para gerar mais dinheiro mas sem que esse dinheiro tenha um suporte na cadeia real de produção. Como se sabe o dinheiro não se reproduz por si mesmo mas a riqueza é gerada através do trabalho e o mercado é aferido pela necessidade. O consumo deve resultar de uma necessidade real. Eu preciso de comer, vestir ou calçar e por isso tenho que consumir esses bens e terei que trabalhar para poder ter acesso a eles. A economia é uma troca de valores.
Porém o que está a acontecer connosco? Somos levados a consumir mais do que necessitamos ou para além da riqueza que produzimos com o nosso trabalho e para isso induzem-nos a endividar-nos em nome do nosso próprio bem-estar e do status quo social. A imagem de abastança tornou-se um valor absoluto, ninguém quer passar por pobre! O dinheiro passou então a ser um negócio em si mesmo, servindo especuladores, sem estar associado a nenhuma criação de riqueza. Quando se atinge um nivel de consumo insustentável acontece que não há dinheiro suficiente para cobrir a despesa e entra-se em incumprimento. Nesta fase entram em cena os vampiros e mostram a face até aí oculta pela aparente prosperidade e riqueza.
Atingido este patamar, o custo do dinheiro sobe em flecha e quem já está em dificuldade afunda-se ainda mais. Do dia para a noite ficamos despojados de tudo o que temos para pagar A DÌVIDA e esta passa a reger as nossas vidas. A situação torna-se mais perversa, quando os que não se endividaram são também chamados a pagar a dívida que os outros contraíram.
O que acontece então? De um momento para o outro começam a extorquir-nos dinheiro em impostos, nos custos de toda a espécie de transacções e serviços e procedimentos a que a própria lei nos obriga em complot com os credores que assim vêm reclamar aquilo a que acham ter direito, em spreads associados a serviços que nunca pedimos, em prestações sociais que não nos garantem segurança no futuro, através da inflação, uma vez que o custo dos bens aumenta em flecha em consequência da degradação económica. De um momento para o outro já pagamos para trabalhar, se trabalhamos mais pagamos mais e o nosso esforço nunca é compensado, o que ganhamos nunca chega, simplesmente o dinheiro desaparece para pagar a dívida que o monstro "dos mercados” foi desenvolvendo e avolumando. O sistema financeiro vampiriza a sociedade e leva tudo, o colapso torna-se eminente.
Os governos tornam-se os carrascos deste sistema e são eles que promovem a execução de planos ruinosos, protegendo a banca e delapidando os recursos financeiros do trabalho e do esforço colectivo. A economia real afunda-se ainda mais e o cerco aperta-se, o círculo torna-se vicioso e o ar torna-se irrespirável. Vivemos para pagar uma dívida que não é nossa e que foi induzida para alimentar os tubarões da fiinanceirização, dos especuladores e dos agiotas.
Tenho saudades do tempo em que só tínhamos o que precisávamos, comprávamos directamente ao produtor e havia um espírito de troca de bens em benefício da comunidade. A economia local e regional era mais amigável e humana que esta economia global em que os grandes comem os pequenos. Éramos mais livres e, como tal, mais felizes. Agora vivemos escravizados para pagar dívidas mesmo que não tenhamos contribuído para elas. Os vampiros andam de novo à solta.
Deveremos procurar soluções para fugir a esta teia em que nos querem enredar. Há que resistir e agir na medida do que estiver ao nosso alcance, bem como a nossa imaginação e poder de iniciativa permitir. Aceitam-se sugestões.



domingo, 10 de julho de 2011

LIXO COM NOVE SÉCULOS DE HISTÓRIA!

O clima económico e político deste mundo globalizado anda frenético e descontrolado o que é muito perigoso para a nossas vidas e equilíbrio psicológico. Já não andamos todos a bater muito bem. Esta semana, como muitos de nós, fiquei varada com a avaliação da Moody’s à dívida portuguesa baixando o rating em quatro níveis de uma só vez e relegando Portugal para a posição de lixo. Além do célebre murro no estômago, levei com uma cachamorra na cabeça com esta notícia. Na verdade, eu que sou uma pessoa pacífica e franzina, apeteceu-me linchar os gajos de modo a baixar-lhes o rating da sua própria integridade física.

Numa primeira análise, sou levada a pensar que estas agências são constituídas por uma quadrilha organizada que serve interesses em empresas que financiam a dívida dos países em dificuldade. Quanto mais intencionalmente cumpridor um país se declarar (caso português) mais estes especuladores apertam, pois interessa-lhes espremer até à última estes pobres e honestos pacóvios, aplicando-lhes oportunistamente as suas taxas de juros agiotas. E assim há quem ganhe muito dinheiro à custa de salários, pensões e rendimentos de sobrevivência de outros. É este o mundo da alta finança, uns poucos são cada vez mais ricos na exacta medida em que outros, muitos, empobrecem até ao limite do intolerável. Mas tendo em conta o que vou lendo e ouvindo, a questão é ainda mais profunda, pois trata-se de uma guerra sem tréguas do Dólar contra o Euro. Enquanto o Dólar era a moeda mais forte do mundo, todos os activos transaccionáveis do comércio internacional tinham como referência esta moeda. O valor do petróleo passou a ser avaliado e pago à OPEP em Dólares desde a década de 70, e os americanos controlavam a sua balança de pagamentos, sem grandes oscilações para si próprios. O Dólar era a moeda mais aceite no mundo. Não podemos esquecer que o petróleo é a principal fonte de energia que faz mover a economia. Quem controla a produção e o preço do petróleo controla o mercado. Porém, com o surgimento do Euro e a valorização da moeda europeia face ao Dólar, desestabilizou-se esta ordem de funcionamento dos mercados e o Dólar tem vindo a perder terreno face ao Euro. Quando Saddam Hussein e o Irão começaram a querer vender o seu petróleo em Euros, a posição dos EUA ficou claramente afectada lançado achas para a fogueira da Guerra do Golfo e para o bloqueio económico ao Irão. Sadam acabou por ser pura e simplesmente eliminado. A pretexto de uma razão que não existia - a produção das armas nucleares no Iraque - e de uma plausível - o atentado terrorista às torres gémeas -, os EUA instauraram uma guerra cuja verdadeira razão é o controlo do preço do petróleo e a manutenção da sua transacção em dólares, o que só é sustentável se o Dólar não continuar a desvalorizar-se face ao Euro. A Invasão do Kuwait e a guerra que se lhe seguiu, no início da década de 90 já fora despoletada por razão idêntica - o controlo do mercado do petróleo pelos EUA.

Voltando à nossa temática, as agências de rating trabalham para quem especula. Por isso a partir de agora vou chamar-lhes “agências de ratazanas”, porque operam no esgoto, tal como as ditas criaturas e manipulam o mercado ao sabor de interesses especulativos. Em última instância estamos colocados no meio do fogo cruzado entre o Dólar e o Euro, em que os países ditos periféricos da Europa são o elo mais fraco. Na verdade, se verificarmos, a dívida de alguns estados americanos está actualmente a níveis piores que os da Grécia mas as agências de ratazanas o que fazem é proteger as empresas norte-americanas classificando-as com benevolência, numa clara política de protecção ao sistema e à dívida norte americana, que é brutal. Atesta a falta de isenção destas agências a classificação máxima que atribuíram à Lehmon Brothers ou aos bancos islandeses e irlandeses pouco tempo antes da falência destes em 2008 e 2009, facto que despoletou aliás o início da crise mundial em que todos vivemos. Porém, esta fragilidade da Moody’s e das outras agências de ratazanas norte-americanas parece passar impune aos olhos dos investidores e dos estados, inclusivamente europeus, que financiam estas agências. Pasme-se! Por mais que me expliquem não consigo fazer esta quadratura do círculo. Têm pois que existir outras razões em que a voz do dinheiro fala mais alto. A verdade é que neste mundo cheio de irracionalidades, temos de um lado um estado Norte Americano politicamente forte e organizado na defesa dos seus interesses e posições estratégicas, e do outro lado uma Europa fraca, sem força para se impor aos EUA ou outras potências emergentes e anémica politicamente. Lá veio agora o BCE colocar-se numa posição mais “amigável” em relação a Portugal ignorando a notação da Moody’s… Brada aos céus esta trama de cangalheiros. E já agora, a propósito, mais uma nota negativa ao Presidente da República Portuguesa. Agora é que acordou vindo condenar as agências de ratazanas? Lembro-me de o ouvir dizer coisa bem diferente há pouco tempo atrás. Definitivamente Cavaco Silva não acerta uma, só diz banalidades quando não é preciso e não intervém quando deveria. Já me custa a perceber porque goza de tamanho estado de graça entre a população portuguesa.

Retomando a nossa questão financeira, o problema maior, e isso é que me inquieta verdadeiramente, reside no facto de Portugal, país com nove séculos de história, poder não conseguir pagar esta dívida e vir a transformar-se mesmo numa enorme lixeira, onde a miséria irá grassar impiedosamente.

Vejamos. Estabeleceu-se um acordo com a Troika para pagar uma dívida. Na verdade, Portugal não consegue manter-se sem se ir financiar lá fora. Portugal não tem dinheiro porque não produz riqueza para manter o nível a que se habituou. Sabemos que as medidas de austeridade, poderão e irão agudizar ainda mais este problema. Com as taxas de juro da dívida a subir, (já vão aí por 19% a três anos) com tendência para crescer, os pressupostos das negociações de resgate degradam-se de dia para dia, o que é insustentável. Toda a riqueza produzida no país serve para pagar dívida e esta avoluma-se a cada dia que passa. Quem não sente isso na pele? Estamos a pagar com as nossas contribuições cada vez mais, mas na verdade ninguém nos consegue garantir que o nosso esforço venha a ser consequente no sentido de nos fazer sair do buraco. Os decisores políticos andam a empurrar o problema com a barriga mas vai haver um dia em que a coisa pode implodir. Vários especialistas, entre eles João Ferreira do Amaral, já vieram advertir que Portugal se deveria preparar e precaver para uma possível saída do Euro, pois o perigo de entrar em incumprimento, (“default”), é uma possibilidade real. Temo que venhamos a ser confrontados com um cataclismo daqueles que nos vai rachar de alto abaixo e era bom que os nossos políticos e economistas fossem capazes de prevenir em vez de remediar. A verdade é preciso dizê-la toda. Não venham desculpar-se com murros no estômago como se não estivessem à espera. Afinal quem faz as contas sabe os cenários que elas traçam. Agências fora, os indicadores estão à vista, nenhuma previsão deste e do anterior governo bate certa com a realidade que a conta gotas nos vai chegando. Se este é o remédio inevitável convenhamos que é bem amargo e injusto.

Por último, quer-me parecer que a raiz do problema é bem mais profunda que um mero resultado de máquina calculadora. Trata-se da sustentabilidade do modelo económico globalizado e não regulado no qual os estados vivem de empréstimos. Perdeu-se a noção da auto-sustentabilidade e do limite dos gastos. Os estados e os indivíduos são levados pelos especuladores a endividarem-se em nome do um bem estar e realização pessoal ou colectiva a que supostamente todos aspiram, mas o fito é satisfazer objectivos de lucro fácil baseado num sistema de roda de casino em que a casa fica sempre a ganhar. Neste esquema de financeirização sem normas de conduta e sem moral de respeito pelas pessoas e pela vida dos povos e dos países, o nosso destino será pautado pela falência do sistema e o que teremos será uma economia bloqueada, mais desemprego e miséria, em que toda a liquidez gerada será absorvida pelas operações especulativas.

Aí sim, à luz destes valores mortais da nova era do capitalismo selvagem e da sociedade consumista, em que os grandes comem os pequenos, tal como está a acontecer com a Grécia, berço da civilização ocidental e ironicamente o país onde nasceu a Democracia, os nossos nove séculos de história e de identidade como povo não valerão mais que um “fait-divers” da História e PORTUGAL ficará reduzido a um bando de pelintras miseráveis, que o mesmo é dizer: LIXO.

Haverá alguém que nos acuda?

sábado, 2 de julho de 2011

O ELIXIR DA JUVENTUDE

O ELIXIR DA JUVENTUDE

"A memória é a consciência inserida no tempo."
Fernando Pessoa

No passado fim-de-semana tive o prazer de estar com os meus amigos de há trinta anos, 30, na terra que nos viu nascer e crescer - PORTEL.
Foi um encantamento! De repente ficámos todos crianças e adolescentes. De repente já não havia idades e todos tinham nomes terminados em “inha” ou “inho” ou “ita” ou outros diminutivos carinhosos. Todos tinham borbulhas na cara e sorrisos travessos. De alguns não sabíamos que vida lhes mediava  os 15 anos e o dia de sábado passado em que nos reencontrámos. Não sabíamos o que faziam ou onde viviam, sábado éramos todos vizinhos e amigos da porta ao lado, colegas de escola e camaradas de brincadeiras. Agora sabemos, uns são isto, outros fazem aquilo, mas isso tornou-se completamente irrelevante porque estávamos a encetar um regresso a um tempo de felicidade imensa quando ainda estávamos simplesmente empenhados na alegria de viver e de descobrir.
A infância que partilhámos foi seguramente das mais felizes que há. Éramos completamente livres, vivíamos à solta, éramos donos da rua, não havia carros a roubarem-nos espaço de brincadeira. Sujávamo-nos e de tudo fazíamos diversão. Inventávamos brincadeiras, cheirávamos a terra e saltávamos como cabritos. Bebíamos leite da bilha e comíamos pão do forno de lenha, quente e estaladiço. Na escola vestíamos de branco e subíamos às árvores no recreio. Passávamos bilhetinhos a contar segredos. Aos Domingos íamos à missa e cantávamos no coro da igreja. Mas só aos Domingos e nas horas de catequese, uma vez por semana, seguíamos este alinhamento. No resto da semana fazíamos travessuras, pregávamos partidas e sustos uns aos outros. Desmanchávamo-nos a rir. Os rapazes jogavam à bola e ao pião e iam aos ninhos. As meninas às casinhas, ao avião e à macaca ou saltavam à corda. Entregávamo-nos a correrias pelas ruas fora como se estas fossem pistas de aviação em que levantávamos voo e às vezes também aterrávamos. Andávamos sempre com os joelhos esfolados.
Fazíamos festinhas de anos com chá e bolinhos e participávamos em bailes de salão na Artística, onde havia até reis e rainhas como nos contos dos livros que íamos buscar à carrinha itinerante da Gulbenkian.
Passavam as estações e as mães emendavam-nos a roupa do ano anterior, cuja evidência podia ser observada nos vincos das bainhas baixas.
Ninguém nos ia levar à escola. Chegávamos ao portão de entrada vindos de todas as direcções. Entrávamos alinhados e saíamos como um bando de pardais à solta. Não havia mochilas. Tínhamos malas a sério onde os livros, cadernos e lápis se caldeavam na agitação das correrias de mala na mão. Em geral as meninas tinham cadernos mais limpinhos que os rapazes. Olá! As professoras que o digam!
Na minha escola nunca houve piolhos. As batas brancas imaculadas tinham riscos de caneta na frente e enlameavam-se com facilidade o que obrigava a muitas barrelas de roupa, a que as lavadeiras da terra se esforçavam para devolver a brancura.
Nos dias chuvosos de Inverno, depois da escola, ficávamos em casa e armávamos fantasias para nos entretermos. Saíam então dos baús toda a espécie de trapos e artefactos com os quais construíamos cenários e personagens e inventávamos histórias de imbricados enredos.
As férias eram mesmo grandes e nos dias quentes de Verão tomávamos banhos nos tanques das hortas e à noite cantávamos ao luar ou ouvíamos histórias aos mais velhos, sentados à soleira da porta.
Mais tarde suspirávamos paixões adolescentes e ensaiávamos os primeiros beijinhos às escondidas que nos punham o coração a palpitar como se quisesse sair da caixa. Ouvíamos as nossas músicas predilectas em discos de vinil que tocavam até riscar. As festas de anos passaram da salinha lá de casa para a garagem. E da escolinha da terra fomos estudar para a Vidigueira e depois para Évora. Íamos na carrinha e na camioneta da carreira, de manhã ainda escura, ensonados, e à tarde sorridentes, fazíamos da viagem mais um passatempo onde cabiam todo o tipo de actividades lúdicas.
Tocávamos na banda da Terra e fazíamos um brilharete vestidos de farda cheia de botões reluzentes, abrilhantávamos procissões, arruadas, festas e touradas. Não sem antes bem ter aprendido a solfejar com o Mestre Patinho e a dominar um instrumento musical com o Mestre Norberto. Incrível, que saudade!
Quando olho através do tempo para esse tempo penso: “Que felizes fomos”! E como sempre trouxe comigo essa alegria de viver!… Aos amigos desses tempos e de sempre agradeço tudo o que partilharam comigo.