sábado, 18 de junho de 2011

CONSTRUIR REABILITANDO

O sector da construção civil sempre teve um peso muito significativo na actividade económica nacional, representando 5,2% do PIB, segundo a Associação dos Industriais do sector - AICCOPN.
No entanto, o negócio da construção civil, tem sido quase única e exclusivamente canalizado para a nova construção. Seja no sector público ou no privado, o país tem sido invadido de construções de toda a natureza e o território sistematicamente betonizado e asfaltado na mesma e exacta medida em que se vão delapidando os recursos paisagísticos, sem que esta panóplia de construção corresponda a uma necessidade efectiva por parte da população.
E, no entanto, as cidades continuam no seu longo e interminável processo de degradação e de ruína, em muitos casos. Os centros urbanos entristecem de abandono e o património em que se inclui o conjunto arquitectónico habitacional antigo, parte integrante da nossa identidade mais profunda de lusitanos residentes seculares deste pequeno pedacinho de terra, vai-se esboroando à vista do nosso beneplácito modo de estar.       
A verdade é que somos o país da Europa onde mais se constrói novo e menos se recupera o antigo, algo inaudito e bizarro, embora aos de cá isso pareça genericamente normal, pela simples razão que nos habituámos a conviver com gruas e betoneiras a desbravarem as envolventes das nossas cidades. Elas fazem parte da nossa paisagem!
Pois bem, há décadas que isto me arrepia. Gostava sinceramente que esta tendência se invertesse e que os nossos construtores civis  e proprietários desatassem agora a reabilitar e reconstruir o nosso emblemático tecido urbano. Mas para que isto aconteça há dois aspectos que são fundamentais: primeiro que as mentalidades de patos bravos se convertam e depois que o negócio seja rentável e os preços competitivos, de modo a despoletar um mercado específico. Nem sei bem se é esta a ordem dos factores, mas isso agora também não interessa nada.
Para tal, parecia-me uma atitude inteligente por parte dos decisores políticos, que criassem as condições para agilizar e promover a reconstrução e reabilitação urbana dos centros das cidades, dentro de um perímetro que pode não ser só o centro histórico, mas incluir todos os locais e zonas com intesse particular. Competiria a cada Câmara Municipal definir esse perímetro e os critérios subjacentes à intervenção. Não estou a pensar em subsidiar a construção civil mas parece-me que um conjunto de medidas poderia conduzir-nos a uma certa discriminação positiva de acções neste contexto e criar um nicho de oportunidade, sobretudo agora que o sector da construção está em crise profunda. Obviamente que as políticas têm uma hierarquia e passam por vários níveis, nacional, regional e local e que uma acção consertada e coordenada entre estes vários patamares da política é indispensável. De igual modo, o financiamento e a possibilidade de recorrer ao crédito em condições favoráveis é outro aspecto a considerar em articulação com o das políticas a implementar. De outro modo, seria inconsequente o esforço. Vou só dar algumas notas soltas que poderiam contribuir para incentivar acções no âmbito da reabilitação, para alguém mais avisado agarrar as pontas:
- Revisão da lei das rendas, com soluções conciliadoras entre a nessidade de garantir que as pessoas tenham casa, não podendo pagar uma renda concordante, e os interesses dos proprietários. (No princípio de que todos têm direito a uma casa condigna mas também os proprietários não podem fazer as vezes de "Santa Casa da Misericórdia".)
- Taxa de IVA reduzida em materiais de construção e serviços para obras de reabilitação (esta parece difícil de controlar, mas talvez fosse possível através de algum mecanismo específico ou formas compensatórias, não sei);
- Processos de licenciamento mais ágeis e rápidos;
- Licenciamento a custo mínimo, com taxas reduzidas;
- Desagravamento significativo em relação aos valores correntes do IMI, em caso de reabilitação, recuperação, reconstrução durante pelo menos 10 anos;
- Agravamento do IMI aos proprietários com imóveis degradados em situação de abandono;
- Gabinetes nas Câmaras Municipais para encaminhamento de investidores, coordenação processual e apoio na elaboração de projectos de reabilitação, tendo como base os critérios delineados pela edilidade no que concerne à defesa patrimonial, arqueológica e arquitectónica.
- Crédito bonificado a particulares para acções de reabilitação urbana e outras condições favoráveis na concessão de crédito para este efeito.

Algo me diz que se não quisermos matar a galinha ela acabará por pôr muito mais ovos e as cidades poderão ganhar uma nova alma.

domingo, 12 de junho de 2011

MUDANÇA

            Depois das eleições do passado Domingo, a primeira sensação que se tem é de duplo alívio.
            Alívio por nos vermos livres de Sócrates, da sua governação estroina e da parafernália propagandística do aparelho do seu partido, ao qual desejo agora melhor sorte.
            Alívio por ter chegado ao fim o espalhafato de uma campanha estéril, em que perdemos tempo com agendas eleitorais, num país em que está tudo por fazer e adiado. Porém, tendo em consideração que a realização de eleições era a única saída possível, paciência. Agora já está. Pedro Passos Coelho ganhou a sua primeira prova de fogo, vamos ver com as que se lhe seguem, bem mais desafiadoras e exigentes das suas próprias capacidades. Veja lá Sr. PPC de quem se vai rodear e como vai negociar com o CDS de Paulo Portas… Façam o favor de se entenderem para o bem do país e cumprirem levando a cabo com coragem as reformas necessárias, pondo a demagogia e os interesses partidários de lado. Muito bom senso precisa-se por parte dos dirigentes. A TODOS os portugueses, trabalhadores, empresas e instituições compete agora tentar remediar o que poderia ter sido prevenido.
            A mudança política é agora um facto consumado e para isso, ninguém diz, mas é verdade, muito contribuiu o sinal dado na manifestação de 12 de Março, genericamente designada pela “…da geração à rasca”, e que contou com a adesão de milhares de pessoas, tudo gente à rasca e de todas as gerações. A partir daí, se bem se lembram, tudo se precipitou. Denegrida por muitos comentadores e politólogos formatados pela partidocracia, por sindicalistas e dirigentes partidários, esses sim à rasca com um fenómeno à margem das suas hostes, na verdade o sinal para a mudança estava dado.
            Entrámos pois num novo ciclo político e social. A consciência das dificuldades está presente na mente dos portugueses, mas em simultâneo ganhou-se uma nova esperança, uma vontade de renascer das cinzas, tão forte quanto o desejo de sair do marasmo e da paz podre em que Portugal tem vivido, numa clivagem profunda entre sociedade civil e instituições, entre governantes e (des)governados. Necessidade de renascer tão emergente como um qualquer instinto de sobrevivência vem à tona quando estamos sob ameaça. Exclusão feita aos que vieram ao mundo por ver andar cá os outros e que cronicamente se estão nas tintas para tudo. Porém, esses não merecem aqui e agora mais comentários. Talvez noutra ocasião.
            O discurso de António Barreto, presidente da organização das comemorações do 10 de Junho, foi brutal em clarividência e sapiência. Bateu fundo na consciência de todos nós.
            Agora temos pela frente um trabalho árduo. Há 100 medidas de austeridade para levar à prática já no curto prazo, até Setembro. Ao ler o memorando da Troika (detesto este nome), parece-me impossível alcançar todas aquelas metas de cortes e mais cortes, sem que isso seja acompanhado de uma reestruturação profunda do sistema e das mentalidades. Sabemos como isso é difícil e pode levar décadas ou talvez possa nunca acontecer. Nada está garantido a este nível. Parece-me pois uma tarefa gigantesca num país caracterizado por forte resistência e inércia à mudança planificada, como tem sido o nosso, globalmente.
            Como diz AB: “É quase impossível. Mas é possível.” A esperança reside na utopia de tornar possível o que parece impossível. BOA SORTE PORTUGAL. Ainda que com “Sangue Suor e Lágrimas”, aqui vamos nós, na perspectiva de que “A Luta é Alegria”. Mas, por favor senhores, não nos defraudem mais uma vez, pois não encontraremos de novo as forças e a disposição para reerguer de novo o país com o nosso suor, se a causa for perdida.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

"LES MISÉRABLES"

Finalmente chegou ao fim este circo da campanha, que para pouco mais serviu do que adiar o país na sua difícil mudança de paradigma. Entretanto o povinho aproveita este intervalo de fandagada, pois “enquanto o pau vai e volta, folgam as costas”. A letargia instalou-se à espera do que já não é adiável. Segunda-feira, dia 6, a música será outra, acordaremos ao som da alvorada da TROIKA, curiosamente o nome do cão pastor alemão feroz do meu vizinho rico, e que viveu até aos 18 anos, lá nos confins de um Alentejo longínquo. Passaremos a viver ao toque da corneta da TROIKA, o que inevitavelmente passará por apertar o cinto em nome da recuperação da honra perdida.
“Les Misérables” a obra prima de Victor Hugo confronta-nos com aquilo que o bom povo português representa neste contexto sócio económico em que vivemos. A palavra “miseráveis” significa tanto miseráveis como canalhas ou vilões. E é isso que nós somos aos olhos desta Europa tão civilizada como mercantilista: miseráveis, canalhas e vilões. Isso mesmo. Ignorantes, preguiçosos e incorrigíveis.
O meu pai ensinou-me sempre que o dinheiro ganha-se trabalhando, o prestígio conquista-se com competência e a honra é a bandeira dos justos. Viver e “comer” à grande serve a uns, à custa da escravidão de outros. Ora os bons pagadores não têm que pagar pelos maus. O país viveu à tripa forra durante demasiado tempo gerido por um bando de gigolôs que se deslumbraram com o poder, com os urras do seu séquito de seguidores, as audiências e a imagem de marca, mas que de governação nada sabem, como se pode atestar com o estado de bancarrota a que o país chegou, desculpada com a crise internacional, num golpe de ilusionismo e de negação da realidade nunca visto e para a qual contribuíram inexoravelmente. Verdadeiros artistas! Engordaram os especuladores, os oportunistas, os corruptos e os burlões, alimentaram-se classes privilegiadas, vulgo lobbies, que agora se arrogam dos seus sacrossantos direitos adquiridos, como se nesta vida alguma coisa pudesse ser adquirida à custa dos outros, dos que pagam impostos, dos que não têm direitos reconhecidos, dos que estão de fora do chapéu proteccionista, e não pedem ou compram favores. Para esses é difícil sobreviver. Não, o tempo dos miseráveis ainda não acabou.
Socialmente, somos um país bipolar que tanto se idolatra como sendo o maior e melhor do mundo, como de seguida cora de vergonha por maus desempenhos. Durante demasiado tempo varremos o lixo para debaixo do tapete. Perdemos a confiança, agora somos membros dos “PIGS”, somos um país do coito interrompido e de verdadeiros miseráveis, explorados, injustiçados, aproveitados. Mas somos também um país de “chicos espertos”, prontinhos para o próximo nicho de oportunismo.
Chegados aqui, somos impelidos a sentir revolta, mas quê, este é o nosso país, a nossa casa! Não podemos cruzar os braços.
Desejo sinceramente que depois das eleições o país ganhe juízo, que trabalhe, que seja sério e aprenda com os erros do passado.
Gostava de ter um país que funcionasse, trabalhasse e deixasse trabalhar, que premiasse o mérito e responsabilizasse os incompetentes, que não fugisse aos impostos, e esse dinheiro fosse gerido com competência e consciência até ao último tostão em prol da causa pública, não para alimentar mordomias moralmente inaceitáveis ou obras de fachada completamente inúteis. Que acabassem os enriquecimentos ilícitos ou aqueles que, sob a capa da licitude, não passam de negócios agiotas. Que acabassem as burocracias que apenas justificam a manutenção de um enorme grupo de funcionários “mangas de alpaca” ou de pequenos lobies instituídos. Que os serviços fossem eficazes e eficientes, que a justiça fosse justa e célere e a educação fosse uma aposta séria e não um laboratório de vão de escada em que os educandos são as cobaias já desde há longos anos. Que a todos fossem dadas oportunidades de desenvolverem as suas capacidades, sem contrapartidas de favores ou cunhas. Que acabasse a concorrência desleal no mundo do trabalho e dos negócios, tirando partido de posições privilegiadas nos quadros das instituições. Que as leis fossem coordenadas, inteligíveis e feitas com nexo, servindo os cidadãos de forma justa e equitativa e erradicando discriminações difíceis de compreender.
Estruturalmente, que se encetem as reformas estratégicas que o país carece com metas claramente definidas, mas de forma planificada e coordenada, para minimizar os impactos sociais que estas possam ter e se promova um debate alargado na sociedade sobre estas matérias, sem demagogias e com coragem.
Ao cabo de anos loucos de devaneio político, após meio ano de tempo perdido com arrufos de políticos e líderes roucos da gritaria, impropérios e discursos vazios, no rescaldo da disputa eleitoralista, seria bom que os umbigos deixassem de ser o universo desta pobre gente. Que olhassem e olhássemos para o lado e descobríssemos uma nova forma de dar as mãos e fazer deste país um país com nome, honra e sem deslumbramentos bacocos. Estou ciente que se o país funcionar numa óptica de todos e para todos iremos sair desta situação tão difícil e penalizadora, mas para isso é preciso mudar em profundidade. RESPONSABILIDADE, SERIEDADE, VERDADE, terão de ser mote daqui para a frente. Votem e não desarmem no exercício da vossa cidadania. O país não é dos políticos nem dos governantes. É dos portugueses. Este é um momento crucial para o país. A austeridade vai doer a valer e deve tocar a todos, teremos que sair deste impasse, esperando que não voltemos a cair num buraco tão fundo como aquele para onde nos atira ram(mos).
Definitivamente eu não quero fazer parte de um país de miseráveis. Podemos estar pelintras, mas “miseráveis”, não. Sou idealista com muito gosto.