sexta-feira, 3 de junho de 2011

"LES MISÉRABLES"

Finalmente chegou ao fim este circo da campanha, que para pouco mais serviu do que adiar o país na sua difícil mudança de paradigma. Entretanto o povinho aproveita este intervalo de fandagada, pois “enquanto o pau vai e volta, folgam as costas”. A letargia instalou-se à espera do que já não é adiável. Segunda-feira, dia 6, a música será outra, acordaremos ao som da alvorada da TROIKA, curiosamente o nome do cão pastor alemão feroz do meu vizinho rico, e que viveu até aos 18 anos, lá nos confins de um Alentejo longínquo. Passaremos a viver ao toque da corneta da TROIKA, o que inevitavelmente passará por apertar o cinto em nome da recuperação da honra perdida.
“Les Misérables” a obra prima de Victor Hugo confronta-nos com aquilo que o bom povo português representa neste contexto sócio económico em que vivemos. A palavra “miseráveis” significa tanto miseráveis como canalhas ou vilões. E é isso que nós somos aos olhos desta Europa tão civilizada como mercantilista: miseráveis, canalhas e vilões. Isso mesmo. Ignorantes, preguiçosos e incorrigíveis.
O meu pai ensinou-me sempre que o dinheiro ganha-se trabalhando, o prestígio conquista-se com competência e a honra é a bandeira dos justos. Viver e “comer” à grande serve a uns, à custa da escravidão de outros. Ora os bons pagadores não têm que pagar pelos maus. O país viveu à tripa forra durante demasiado tempo gerido por um bando de gigolôs que se deslumbraram com o poder, com os urras do seu séquito de seguidores, as audiências e a imagem de marca, mas que de governação nada sabem, como se pode atestar com o estado de bancarrota a que o país chegou, desculpada com a crise internacional, num golpe de ilusionismo e de negação da realidade nunca visto e para a qual contribuíram inexoravelmente. Verdadeiros artistas! Engordaram os especuladores, os oportunistas, os corruptos e os burlões, alimentaram-se classes privilegiadas, vulgo lobbies, que agora se arrogam dos seus sacrossantos direitos adquiridos, como se nesta vida alguma coisa pudesse ser adquirida à custa dos outros, dos que pagam impostos, dos que não têm direitos reconhecidos, dos que estão de fora do chapéu proteccionista, e não pedem ou compram favores. Para esses é difícil sobreviver. Não, o tempo dos miseráveis ainda não acabou.
Socialmente, somos um país bipolar que tanto se idolatra como sendo o maior e melhor do mundo, como de seguida cora de vergonha por maus desempenhos. Durante demasiado tempo varremos o lixo para debaixo do tapete. Perdemos a confiança, agora somos membros dos “PIGS”, somos um país do coito interrompido e de verdadeiros miseráveis, explorados, injustiçados, aproveitados. Mas somos também um país de “chicos espertos”, prontinhos para o próximo nicho de oportunismo.
Chegados aqui, somos impelidos a sentir revolta, mas quê, este é o nosso país, a nossa casa! Não podemos cruzar os braços.
Desejo sinceramente que depois das eleições o país ganhe juízo, que trabalhe, que seja sério e aprenda com os erros do passado.
Gostava de ter um país que funcionasse, trabalhasse e deixasse trabalhar, que premiasse o mérito e responsabilizasse os incompetentes, que não fugisse aos impostos, e esse dinheiro fosse gerido com competência e consciência até ao último tostão em prol da causa pública, não para alimentar mordomias moralmente inaceitáveis ou obras de fachada completamente inúteis. Que acabassem os enriquecimentos ilícitos ou aqueles que, sob a capa da licitude, não passam de negócios agiotas. Que acabassem as burocracias que apenas justificam a manutenção de um enorme grupo de funcionários “mangas de alpaca” ou de pequenos lobies instituídos. Que os serviços fossem eficazes e eficientes, que a justiça fosse justa e célere e a educação fosse uma aposta séria e não um laboratório de vão de escada em que os educandos são as cobaias já desde há longos anos. Que a todos fossem dadas oportunidades de desenvolverem as suas capacidades, sem contrapartidas de favores ou cunhas. Que acabasse a concorrência desleal no mundo do trabalho e dos negócios, tirando partido de posições privilegiadas nos quadros das instituições. Que as leis fossem coordenadas, inteligíveis e feitas com nexo, servindo os cidadãos de forma justa e equitativa e erradicando discriminações difíceis de compreender.
Estruturalmente, que se encetem as reformas estratégicas que o país carece com metas claramente definidas, mas de forma planificada e coordenada, para minimizar os impactos sociais que estas possam ter e se promova um debate alargado na sociedade sobre estas matérias, sem demagogias e com coragem.
Ao cabo de anos loucos de devaneio político, após meio ano de tempo perdido com arrufos de políticos e líderes roucos da gritaria, impropérios e discursos vazios, no rescaldo da disputa eleitoralista, seria bom que os umbigos deixassem de ser o universo desta pobre gente. Que olhassem e olhássemos para o lado e descobríssemos uma nova forma de dar as mãos e fazer deste país um país com nome, honra e sem deslumbramentos bacocos. Estou ciente que se o país funcionar numa óptica de todos e para todos iremos sair desta situação tão difícil e penalizadora, mas para isso é preciso mudar em profundidade. RESPONSABILIDADE, SERIEDADE, VERDADE, terão de ser mote daqui para a frente. Votem e não desarmem no exercício da vossa cidadania. O país não é dos políticos nem dos governantes. É dos portugueses. Este é um momento crucial para o país. A austeridade vai doer a valer e deve tocar a todos, teremos que sair deste impasse, esperando que não voltemos a cair num buraco tão fundo como aquele para onde nos atira ram(mos).
Definitivamente eu não quero fazer parte de um país de miseráveis. Podemos estar pelintras, mas “miseráveis”, não. Sou idealista com muito gosto.

1 comentário:

  1. Olá Ana Paula
    O texto que escreveste parece-me muito bom, e daquilo que já tivemos oportunidade de falar em diversas situações, saberás que partilho globalmente do seu conteúdo. Lembro aqui as palavras do jovem humorista português Milton, que na convenção das presidenciais disse que o problema de muito político era o "se", pois o voto que os portugueses lhe davam era para governar e não para governar-se.
    Quanto ao ser bipolar - e tu sabes o que eu muito bem conheço nessa área - é uma realidade que já vi escrita sobre Portugal e os portugueses.
    Desde há muito que sou também idealista - ao que me lembro, desde a minha adolescência - e embora já com alguma dificuldade face ao que vou vendo não só em Portugal como em muitas partes do mundo, faço um esforço por acreditar que ainda é possível termos não só um país melhor, como um mundo mais justo. Basta ter como referências a Constituição Portuguesa como a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
    Muito haveria a dizer, mas não faltarão oportunidades para trocar ideias sobre estes assuntos.
    Bjs.

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