Cresci e vivi
toda a minha vida em liberdade. Não conheço outro modo de vida!
O 25 de Abril de
74 aconteceu era eu ainda criança, mas já com discernimento suficiente para
entender o que se estava a passar. Pela primeira vez ouvi então as palavras “democracia”
e “fascismo”. Fiquei a perceber o conceito de uma e de outra. Termos como “revolução”,
“igualdade”, “fraternidade”, “liberdade”, passaram a ter um significado
diferente, mais politizado. Fiquei a saber que existia uma PIDE e entendi o
significado das palavras “repressão” e “ditadura”.
Antes do 25 de
Abril estes conceitos não existiam para mim, eu apenas brincava. E tinha toda a
liberdade para isso. Não me preocupava com a vida. Vivia protegida das maleitas
do mundo e todas as minhas necessidades e conforto estavam assegurados. É certo
que na escola convivia com meninos e meninas muito pobres, que andavam de pés
descalços e sempre ranhosos e sujos. Que, de quando em vez, havia um funeral na
terra, de alguém que vinha do Ultramar para regressar à sua casa, agora como
última morada, e havia famílias chorosas de perdas irremediáveis, vidas que a
guerra ia ceifando. Mas eu não percebia. A vida era linda para mim. Pode-se
dizer que era feliz, porque era livre e, na minha cabeça, o mundo era bom e
representava um manancial de descobertas fantásticas.
Entretanto
deu-se a Revolução dos Cravos. Quando entendi o verdadeiro significado da
palavra “Liberdade”, e fui ganhando consciência política e social, percebi que
a liberdade não é só até ao nosso umbigo. Fiquei a conhecer a razão por que um
tio desaparecia de circulação de vez em quando. Ele tinha sido preso político e
esteve privado da sua liberdade de pensamento, de expressão e de si próprio,
durante muito tempo. E que um primo esteve na guerra porque a tal foi obrigado.
O “proibido” e o “obrigatório” afinal não era algo que se traduzia apenas em
pequenas contrariedades para disciplinar o nosso comportamento e nos tornarmos
melhores pessoas. Era algo muito mais grave e persecutório. Significava medo,
repressão, tortura e até morte.
Quando ganhei
consciência o país já era livre, vejam só a minha sorte! Agradeço isso aos
capitães de Abril, independentemente das suas motivações à época.
Depois de todos
estes anos passados em democracia, podemos perguntar: Que liberdade temos,
afinal? Temos muita, comparativamente ao que era antes da revolução. Mas temos
muito pouca se analisarmos a forma como a nossa sociedade se organiza e observarmos
as circunstâncias políticas e económicas em que vivemos que nos obrigam a
seguir determinados modelos, mesmo sem nos revermos neles, o que é bastante
atentatório da nossa liberdade.
Quem chega à
governação depende dos grandes grupos económicos; os partidos hegemonizam a
política e procedem para ser eleitos, captando a simpatia dos grupos económicos
e mentindo ao povo. O poder assenta na falsidade e no dinheiro pelo dinheiro para
subsistir, num cartel em que as pessoas e os valores humanos contam muito
pouco. As pessoas servem para pagar as contas que o governo e os grupos
financeiros em equipa nos atiram à cara, sem escrúpulos. Neste
caldeirão cabe tudo: corrupção, clientelismo, laxismo político, irresponsabilidade
na gestão das contas públicas, incapacidade de resolução dos problemas reais da
economia e da sociedade, incompetência e impreparação política e cívica,
desvalorização do interesse nacional em favor do interesse particular. O
sistema financeiro instituído não tem escrúpulos e dá estrategicamente com uma
mão para tirar com a outra, sem contemplação. Todos sabemos que é assim. Quem
trabalhou honestamente uma vida inteira pode ver sonegados, o mesmo é dizer,
confiscados, todos os seus bens e haveres. É fácil atirar um cidadão
desprotegido para a pobreza. Basta uma lei. Tão simples e tão desigual, na medida
em que o elo mais fraco não tem capacidade de ripostar, ou de se fazer ouvir, e
será sempre, e sem contemplação, o prevaricador, se não cumprir ou… se não
puder cumprir. Isto, meus amigos, é prepotência e repressão. Como é abusivo
quando nos assediam, por qualquer via e sem respeito pela privacidade, para nos
endividarmos ou para consumirmos o que não precisamos.
Vivemos e
trabalhamos para pagar as contas, as que contraímos e as que não contraímos.
Vivemos rodeados de credores; mesmo quem nunca contraiu dívidas, é devedor.
Isto é escravidão, porque nos retira espaço para viver e reduz o sentido da
vida, transformando-nos em simples peças de engrenagem do materialismo selvagem
manipulado pelos “mercados”, sem outros valores que nos elevem. Isto é asfixia,
é aniquilação, é privação de liberdade. Alguém sabe definir “os mercados”? Têm
rosto? Elegemos quem tem este poder de regular as nossas vidas. NÃO! Então onde
está a democracia e a liberdade?
Cada um de nós
deve ser livre e poder dizer que não quer o que lhe querem impor, que seja
atentatório da sua liberdade como ser humano íntegro e digno. Ditadura nunca
mais, seja qual for a sua forma. 25 de Abril significa esperança. E onde está
ela? Que esperança temos para as nossas vidas e para as dos nossos amados filhos?
E que podemos fazer para mudar? Qual pode ser o nosso contributo?
Sempre achei que
o espírito da revolução começa em cada um de nós. Felicidade não existe sem liberdade.
E sem esperança só há desalento. No fundo, é tudo uma questão de consciência e
de sobrevivência. Sem liberdade não se pode viver, só se pode vegetar, que o
mesmo é dizer, morrer. Compete a cada pessoa, a cada cidadão, encontrar a sua
forma de luta sem nunca desistir para preservar a sua liberdade e a dos seus concidadãos.
25 DE ABRIL, SEMPRE.
O 25 de Abril, sempre ficará na nossa memória, como um dia em que a esperança se apoderou de nós, fazendo-nos crer que:A justiça social e o desenvolvimento economico, seriam realidades que fariam parte do caminho deste País.Mas afinal, passados todos estes anos,tudo caíu por terra, deixando-nos ainda mais conscientes que os sonhos de outrora, são os pesadelos de hoje.Os timoneiros deste Portugal, não foram capazes de dar rumo ao barco, que anda desde sempre à deriva...Um País agarrado ao seu triste destino, como é apanágio do Fado !
ResponderEliminarObrigada pelo seu comentário, caro João. A palavra chave é mesmo "esperança". O espírito de Abril, esse momento fascinante que quem como eu experienciou, está vivo e deve ser despertado. O Fado é nostalgia e é lindo, e o instinto de liberdade é esperança. Não existe nenhuma incompatibilidade; ambos se complementam. Há que resistir e lutar em nome dos nossos valores e da nossa identidade como povo de que eu quero orgulhar-me. Saudações democráticas.
EliminarAfinal já era membro, mas estou sem fotografia, só com aquela mancha tipo. Devo-me ter inscrito logo no início do blog. Quanto ao texto acho muito bem. Perante o grande valor da liberdade, não devemos esquecer muitos conceitos que com ela até rimam, como igualdade, fraternidade, solidariedade, entre outros. Bjs.
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