Já aqui escrevi que discordava das
novas medidas de austeridade. Na verdade, o benefício da descida da TSU para as
empresas seria desejável, não fora esta medida contrariada com a medida oposta,
que agrava em termos gerais a TSU, retirando mais dinheiro às famílias, oprimindo
o consumo, logo, as vendas de bens e serviços das empresas que trabalham
sobretudo para o mercado nacional, as quais representam 99% do tecido
empresarial português. Muitas destas são empresas familiares ou individuais e são,
na realidade, o posto de trabalho e o ganha-pão de quem as dirige. É pois
falacioso que a medida venha contrariar o aumento do desemprego. Virá sim, mais
uma vez, subtrair dinheiro à economia, empurrando-nos para uma recessão cada
vez mais cavada. Insistir nesta fórmula começa a ser falta de lucidez, visto
que não nos coloca na rota da recuperação económica nem na do cumprimento das
condições do resgate financeiro, encarando a segunda meta como variável direta
da primeira.
Em condições tão adversas de cortes e
mais cortes, já quase ninguém neste país ganha para pagar impostos, o Estado
passou a comer connosco à mesa, quando não se trata mesmo de tirar o pão da
boca de quem já não tem para se sustentar. Não se trata de dramatização.
Infelizmente é a realidade.
Os portugueses já não aguentam, não
acreditam na bondade dos sacrifícios e já não têm esperança. Perderam a
confiança num governo e num primeiro-ministro, cujo discurso hoje não tem nem
um vislumbre do que afirmou, na fase em que se apresentou ao eleitorado como o
salvador da Pátria.
Num ato de protesto e de genuína
indignação, os portugueses saíram à rua numa manifestação verdadeiramente
espontânea e ordeira, em que pequenos episódios residuais de alguma tensão mais
truculenta não ensombram a forma digna como as pessoas se manifestaram,
entoaram palavras de ordem e choraram as suas aflições mais profundas e veladas.
Esta é a voz do povo, dos cidadãos, das pessoas, que não são números, nem
cifrões, nem meros contribuintes e têm uma palavra a dizer sobre o seu próprio
destino. É esta a via mais espontânea que o povo tem para fazer ouvir a sua voz
e fá-lo legitimamente contra a prepotência de que está a ser alvo, e do pacote
de medidas que lhe despejam em cima, sem direito ao contraditório.
Os governos têm legitimidade para
governar, mas não têm legitimidade para enganar as pessoas. Os portugueses
disponibilizaram-se a pagar uma dívida pública que em boa medida não ajudaram a
criar, mas ainda assim dispostos a salvar a pátria do descalabro da bancarrota
e a sua própria reputação como nação. (Quem mais?) O que os portugueses exigiram
a PPC e ao governo quando o elegeram foi rigor nas contas, competência na resolução
de um problema bicudo, imaginação para encontrar as soluções eficazes no controlo
do défice e da dívida, minimizando os impactos sociais que, já se sabia, ainda
assim iriam ser penosos. Missão difícil, sem dúvida, mas quem se apresentou
como alternativa de governação já sabia ao que vinha. Teriam que estar
preparados. Porém, ao cabo de mais de um ano de governação, as contas estavam
erradas e nunca são transparentes, os cálculos projetados saíram gorados e não
existe uma estratégia que vise a recuperação económica do país. O que temos são
uma sucessão imprevisível e em roda livre de medidas avulsas, fazendo lembrar o
sufoco que foram os sucessivos PEC’s do anterior governo PS, na fase final que
antecedeu a queda do governo Socrático.
Face aos resultados insatisfatórios, os
portugueses questionam-se legitimamente e, cada vez com mais convicção, sabem
que o rumo que o governo está a tomar não nos vai levar a bom porto.
Os portugueses, em união de todos os
quadrantes políticos, classes e setores de atividade, deram ontem um sinal
claro que não aceitam mais medidas de austeridade, não só porque já não podem
pagar mais, mas sobretudo por que não acreditam nelas para nos tirar de maus
lençóis. E esta é uma nota inequívoca de que, aos olhos dos portugueses, o
governo está descredibilizado, revela-se incapaz de conter o défice e navega à
vista. Em política há sempre alternativas e o caminho não tinha que ser este. Assim
o governo e Pedro Passos Coelho tenham disponibilidade mental para colocar
outras soluções em cima da mesa e para as negociar com a Troika, sem a
obstinação de querer ser o bom aluno, quando isso se resume a mera engenharia
financeira de merceeiro e ao empobrecimento e colapso económico do país. O que
PPC tem que perceber é que os interesses que ele deve defender em primeira
instância são os da gente, porque a gente é o país e não merece este castigo
que lhe infligiram.
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