segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O OCASO DA VIDA

É frequente ouvirmos notícias do abandono e das condições de precariedade em que vivem as pessoas de maior idade. Ser velho em Portugal não é animador.
Os resultados do último censos ainda não foram publicados, como tal considerando os dados divulgados neste âmbito, no período entre 1960 e 2001, segundo a PORDATA, o número de pessoas com mais de 75 anos praticamente triplicou nestas quatro décadas, (passou de 238.121 para 701.366 indivíduos, no intervalo considerado) enquanto o número de indivíduos na faixa etária entre os 0-4anos decresceu cerca de 40%  (passou de  901.410 para 539.491, no mesmo intervalo de tempo).
A população portuguesa está de facto a envelhecer e os idosos representam uma fatia cada vez maior da nossa população.
Uma pessoa de idade pode tornar-se vulnerável, carece de maior carinho e de todo o apoio da sociedade em que se insere e que ajudou a construir. A resposta deve estar nas famílias, porém muitas delas desprezam os seus velhos e relegam-nos para segundo plano, ou simplesmente ignoram-nos, por vezes recorrendo ao álibi de não terem condições para dar o apoio necessário. Se isso pode ser verdade, em casos de doença grave, ou devido a dificuldades económicas efectivas, a verdade é que quando uma pessoa já não pode ganhar o seu sustento, torna-se indesejável e é considerada muitas vezes um fardo, fazendo com que não se invista nela o suficiente para ter uma vida condigna. Tal ocorre quer por parte das famílias quer por parte das instituições que os acolhem. Por vezes (demasiadas) chega-se mesmo a casos mais extremos de humilhação e de maus tratos. Por seu turno, as instituições nem sempre respondem às necessidades não só logísticas mas, e sobretudo, às necessidades que tornam um ser humano minimamente feliz e não proporcionam aos seus utentes algo que lhes dê ainda entusiasmo pela vida.
Os lares de idosos, as mais das vezes, não passam de depósitos de gente que já viveu e que já não vive, porque nesses locais estão enterrados em vida. Já visitei alguns e não gosto do modelo. Gente lúcida vagueia pelos corredores ou permanece sentada, emparedada, à espera que o tempo passe devagar, num vazio de interesse. Os doentes permanecem no seu leito de morte, aguardando a sua hora.
Sem um carinho, sem um abraço e sem actividade, um ser humano já morreu, mesmo que respire e tenha as necessidades básicas asseguradas. Eles, os nossos velhos, precisam de ter alguém que ouça as suas histórias, que passeie com eles ao fim-de-semana e, se estão em condições físicas e mentais para isso, necessitam de se sentir úteis e de participar na construção da vida familiar ou da sua comunidade.
Quando as famílias, por alguma razão não acolhem os mais velhos, as instituições são a resposta. Porém, a resposta não está neste modelo de lares que conhecemos. O modelo tem que ser outro.
Os locais de acolhimento deverão ter vida própria e serem concebidos para fomentar elos sociais e  actividades que contribuem para a sua construção, a par das boas condições de habitabilidade.
Por isso, em vez dos tradicionais lares onde se emparedam pessoas, tristemente à espera que o tempo passe, defendo a criação de equipamentos com amplos espaços verdes, onde as pessoas, a maioria com raízes rurais, possam fazer as suas pequenas hortas, jardinagem e outras actividades de ar livre, e com espaços equipados onde possam exercer um ofício, dentro daquilo que sabem ou gostam de fazer.
Em tempos tive oportunidade de participar num projecto social designado “Aldeia da Solidariedade”, em Albufeira. Não estou a falar de uma daqueles condomínios de luxo “geriátricos”. Não. Esta aldeia era para o Manuel e para a Maria. Nesta aldeia os casais viveriam em pequenas moradias e trabalhariam nos seus ofícios ou em actividades úteis à comunidade. Haveria oficinas equipadas onde cada um poderia desenvolver a sua arte ou ofício. Haveria espaços exteriores com pequenas hortas para serem cultivadas e espaços verdes de lazer. Um conjunto de lojinhas comercializariam os objectos produzidos nas oficinas e os produtos hortícolas que não fossem consumidos na cantina, além de outros produtos de primeira necessidade. Paralelamente, seriam construídas uma creche e uma escola primária promovendo a proximidade e o relacionamento entre avós e netos, objectivando reforçar os elos familiares. Os doentes e acamados teriam uma unidade própria e todos os utentes receberiam acompanhamento médico e terapêutico. Haveria ainda a área social: o cafezinho com esplanada e o restaurante, a barbearia, o cabeleireiro, a queijaria, a padaria…
Gostei da aldeia no papel, nas não sei que é feito dela. Se sempre houve dinheiro para fazer tanta porcaria que não serve para nada, porque não poderá haver para esta causa de dar dignidade às pessoas que estão na fase mais adiantada da vida?  
O ocaso da vida deve ser como o Pôr-do-Sol: suave, tranquilo e belo. Um dia vai tocar-nos a nós. Investir nesta causa será investir em nós próprios. Se pensarem assim, passarão a valorizar mais os nossos anciãos.

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